Club Cooee

sábado, 20 de setembro de 2008

Desvario



Início do livro ''Desvario'', de David Grossman

Como ela agüenta isso?, pensa ele, todos esses rituais meticulosos que é obrigada a refazer, percorrendo nervosamente os quartos antes de sair, batendo as portas dos armários, abrindo e fechando gavetas, algo contrito e opaco toma conta de seu belo rosto nesses momentos, Deus a livre de esquecer algum detalhe, algum pente, livro, frasco de xampu — tudo poderia desmoronar. Ele senta à sua escrivaninha vazia com a cabeça apoiada entre as mãos, enquanto ela joga um aceno apressado da porta, e seu coração afunda, ela nem sequer chega perto para se despedir; hoje haverá algo especial lá, ela sai correndo para a rua, olhos baixos para evitar contato visual e alguma conversa supérflua.Como é que ela não desiste? De onde tira forças para passar por isso a cada dia de novo?

Em seguida, como que baixando a guarda, ele fecha os olhos e se apressa em acompanhá-la enquanto ela entra no carro, um minúsculo Polo verde-claro. Ele o comprou de surpresa para ela, que ficou horrorizada com a cor e reclamou que era muito extravagante. Mas ele queria que ela tivesse seu próprio carro, para se locomover livremente, para que não fiquemos brigando o tempo todo por causa do carro, disse. E quis que ela tivesse um carro muito verde. Na sua fantasia, era como se fosse um dispositivo eletrônico brilhante injetado na corrente sanguínea dela de modo a poder ser monitorado por uma câmera. Lentamente, ele vai apoiando a cabeça no encosto do assento, e ela dirige, a face tensa, próxima demais do pára-brisa. Ela vai levar cerca de oito a nove minutos para chegar, e é preciso acrescentar ainda um eventual atraso inesperado (um engarrafamento, algum farol quebrado, o homem que está à sua espera lá no apartamento não achar as chaves e demorar para abrir a porta), e lá se vão mais quatro ou cinco minutos preciosos. Elisheva, ele diz em voz alta, com vagar, pronunciando cada sílaba.

E diz mais uma vez, para aquele homem.

O homem que poupa cada instante necessário para se despir, que não perde tempo pois cada segundo é valioso, e, enquanto ela conduz o veículo por entre as ruelas estreitas que ligam uma casa à outra, ele já vai tirando a roupa, no quarto ou talvez perto da porta, desce as calças largas de veludo marrom, tira a folgada camisa de cor indefinida, que um dia também foi marrom, ou cor de laranja, ou talvez até mesmo rosa, ele é bem capaz de usar uma camisa rosa, que importa o que vão pensar?, é isso que é bonito nele, reflete Shaul, que ele não se importa com nada, nem com o que vão pensar nem com o que vão dizer, essa é a força dele, sua saudável integridade interior; aparentemente é isso que tanto a atrai.

Ela vai ao encontro dele, dispara ao encontro dele, olhos fixos no caminho, boca tensionada. Daí a pouco essa boca será beijada e há de relaxar, engolir, arder, os lábios deslizarão sobre aqueles outros lábios, de início apenas superficialmente, tocando sem tocar, então virá uma língua e desenhará seu contorno dando voltas e mais voltas, e os lábios tentarão não sorrir, e logo se ouvirá um murmúrio de prazer, não se mexa enquanto eu desenho, e de dentro dela sairá um grunhido de concordância, e aí os lábios dele se fixarão nos dela e, com toda a sua agressividade ríspida, masculina, vão sugá-los; depois se afastarão por um instante, deixando passar um suspiro quente. Por fim, os lábios vão se encontrar de novo, agora com a solenidade de um desejo realmente intenso, as línguas se entrelaçando como se fossem criaturas com vida própria, e os olhos dela se abrirão por um breve momento com um suspiro suave, os globos oculares se revirando um pouco para em seguida sumir. Sob as pálpebras semicerradas se revela uma brancura vazia, assustadora.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Eu baby... =D

Eu baby... =D

Rádio {JUDAS}